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Meu primo que morava em Aracaju (SE), voltou a morar em Ribeirão Pires (SP) e no bairro que ele vivia tinha alguns rapazes que começaram a pedalar por influencia do tio de um deles que chama Ricardo e atualmente trabalha como bombeiro.
O tio do Ricardo; o Henrique (ou professor Kim, ou simplesmente Kim para os chegados) começou a pedalar com a gente ate a vila de Paranapiacaba, no município de Santo André.
Para melhorar ou piorar depende de quem vê, ao chegarmos a Paranapiacaba ainda descíamos para o 4º Patamar mais empurrando e caindo com as bicicletas, do que pedalando, pois além do local estar restrito aos funcionários e vigiado pelos Policiais ferroviários federais e pelos vigilantes da ferrovia, ainda tínhamos que desviar o caminho pela estrada que leva as torres de transmissão e cortar pelo meio do mato por um barranco que batizamos de morro do 2 por 2 (mais a frente explico o nome) para chegarmos ate uma canaleta de escoamento de agua, e finalmente chegarmos na calçada de manutenção. Já na calçada tínhamos que nos escondermos dos trens que passavam e ainda passam pela linha nova com cremalheira. Íamos pela calçada, às vezes pedalando mais a maior parte do tempo empurrando, puxando, caindo, carregando se enroscando e desenroscando da vegetação, escorregando, rolando e se ralando para chegarmos ao alto do túnel que fica antes da ponte no 4º Patamar e de onde se tem uma vista privilegiada da grota funda, da ponte, do 4º Patamar e do vale.
Você pensa que já chegamos ao 4º?
Ainda faltava atravessar a ponte que fica sobre a Grota funda, que tem de 80 a 90 metros do topo da ponte ate o rio de pedras que fica no fundo. Nas primeiras vezes a gente passava ate pedalando pelas passarelas laterais da ponte, quem me vê escrevendo isso e conhece a ponte deve pensar que é mentira, mas isso foi em 1993/1994 e ate a casinha de comando dos trilhos existia e com os vidros quase todos intactos nessa época. Hoje em dia nem a casinha existem mais, e ate a caixa de agua foi cortada e transportada por coletores de ferro velho.Não me pergunte como a transportaram, mas dizem que os pedaços foram parar no pé da serra, e vendidos em Cubatão, São Vicente ou ate mesmo Santos.
Quem duvida íamos de bicicleta ate lá é só procurar em uma das paredes perto da maquina fixa do 4º Patamar existe um rabisco, escrito Street of Bikers e no centro o desenho de uma bicicleta estilizada, que se não devo estar enganado esta com a data de 1994. Também é notada a influenciados jogos eletrônicos na cabeça dos adolescentes, de Street Fighter para Street of bikers foi um pulo.
Após algumas idas e vinda ate lá de bicicleta o Kim teve a ideia de religar a agua que abastecia os patamares, o problema é que funcionavam com várias caixas de agua e boias gigantes para controlar o fluxo de agua e essas foram travadas. Além disso, ainda tínhamos o problema que a rede ferroviária para impedir que a agua nos tubos sobrecarregassem a estrutura das pontes e evitar que pessoas não autorizadas acampassem nos patamares, fez centenas de furos nos tubos para que a agua não chegasse ate o 4º patamar e por consequência aos outros patamares, a solução foi destravar a boia e depois cortar X vezes Y vezes Z (ao quadrado) pedaços de galhos, chegando ao ponto do Kim trazer de casa um saco com toquinhos de cabo de vassoura, imagina quantas vassouras ficaram sem cabo na casa dele.
Mas no final, todo esse trabalho valeu a pena, pois imagine você tomar banho em um dia quente usando o cano de agua que abastecia os loco-breques, eram só virar uma manivela grande e extremamente dura por causa da ferrugem e aquela agua gelada e com uma pressão enorme que lembrava um soco na cabeça caia sobre a gente, o único inconveniente é que em dias quente no local onde a agua caia existia uma plataforma revestida com manta asfáltica que sempre teimava em ficar mole e onde os pés afundavam sendo necessário lavar os pés com agua raiz quando chegávamos em casa.
A cada ida a gente aprendia mais sobre o sistema funicular e os mistérios do patamar, como o contrapeso, as caldeiras, a tração do loco-breque, o sistema de contrapeso funcionava assim: Um trem descia preso com a pressão gerada pela caldeira do trem a um cabo que ia ate o patamar de baixo e voltava ate o de cima em gigantescas polias, e com o peso do que descia, somado a caldeira do loco-breque, mais a força das maquinas fixas nos patamares, puxava o trem que vinha de baixo também preso ao cabo;  ficava procurando emendas nos cabos, notava que em alguns trechos só existia uma linha para passagem do trem e também  o curioso sistema que era usado em dias de chuva (onde uma caixa com areia deixava cair areia nos trilhos riscando-os para que ficassem mais ásperos e aumentar o atrito na hora de subir a serra), isso me lembra da estória do meu tio Antônio que junto com os amigos dele passavam sabão na linha bem em uma subida onde um trenzinho a vapor ficava patinando e não saia do lugar enquanto eles ficavam rindo da situação (acho que era perto do Jaraguá a linha do coitado do trenzinho). Fico divagando no trenzinho pensando ai se eu tivesse uma caixa de areia aqueles moleques nunca mais zombariam de mim.
Voltando ao assunto, ficava fascinado com o sistema de comunicação da maquina fixa com a casinha onde ficava o controlador dos trilhos eram um cano com bocal em bronze onde um falava ou ouvia o outro pelo tubo.
Imaginava aquele monstro mecânico funcionando e o barulho de milhares de polias que ficavam no meio do trilho cantando com o movimento dos cabos de aço. As polias de 4 metros de diâmetro ou mais puxando os cabos a movimentação dos ferroviários as pessoas que trabalharam e morreram para aquilo existir, o trabalho braçal dos construtores de pontes e tuneis cavados na picareta, pá e enxada e os engenhosos arcos romanos feitos de pedra para a sustentação do teto dos túneis. Meu avô Miguel e o seu irmão Wenceslau trabalharam e contavam como sofreram na construção do túnel 6, por sinal esse e o túnel é o mais torto da serra, deve ser pela insatisfação dos operários que tinham seu dinheiro desviado e usado a bel-prazer pelo feitor dos operários, obrigando muitas vezes ao meu avô e os outros a ter que comer bananas e palmitos pegos no mato para não passarem fome.
Apesar desses fatos os túneis eram um espetáculo a parte além dos arcos romanos já citados e do enorme trabalho feito a mão alguns contavam com janelas para iluminação , e a maioria tinha um sistema de escoamento de agua onde dentro do túnel se encontravam verdadeiros túneizinhos, por nós chamados carinhosamente de catacumbas, pois eram muito escuros e cheios de morcegos, dentro das catacumbas meio que se perdia a noção de tempo e espaço, e em particular no que fica no túnel antes da ponte do quarto patamar, pois lá entravamos andávamos uns 100 metros e chegávamos a um poço vertical onde subíamos uma escada de ferro de uns 6 ou 7 metros, chegando em outro corredor onde andávamos mais uns 500 ou 600 metros onde parecia que o chão se inclinava para baixo como se estivéssemos descendo e saíamos por incrível que pareça na parte de cima do túnel no meio da vegetação, e muitas vezes tínhamos que brigar com a porta de aço, pois o mato somado a ferrugem das dobradiças a obstruía. Após esse dia agitado era hora do retorno.

Um comentário:

  1. Desenterrei uma agora: lá em Aracajú eu dava uns rolês pequenos com minha super Monark BMX Scorpion Acrobike. Como a cidade é relativamente plana, ficava fácil. Uma vez achei de atravessar a cidade para ir à casa de uma tia. Minha mãe quase me matou... Seria o DNA se manifestando?

    Voltando... a vila + os loco-breques + as pontes + os túneis + os campings que fizemos lá (o famoso "deixa eu dormir, imbecil")fazem de Paraná... piacaba um lugar único e inesquecível. A nova geração chegou e o Andrey quebrou o primeiro dente lá... Aprendeu rápido. Ah, moleque!!

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